Mulher, negra e escravizada: Esperança Garcia, primeira ADVOGADA do Brasil


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Em 06 de setembro de 1770, uma carta foi enviada ao Governador da Capitania de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. A carta denunciava violências e demandava justiça. Um tipo de texto que, no dicionário da boa advocacia, poderia ser sinônimo de petição.
247 anos depois, a remetente da carta, Esperança Garcia, acaba de receber do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PI) o título simbólico de primeira mulher advogada do Piauí, a pedido da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB-PI e brevemente a OAB NACIONAL vai reconhecer a Escrava como a primeira ADVOGADA do Brasil.


A demora de dois séculos e meio foi de luta para que aprendêssemos a ver a advogada impossível: uma mulher negra de 19 anos, escravizada, que denunciou por escrito as violências que sofria e testemunhava em uma fazenda localizada a 300 km de onde hoje está Teresina:   
CARTA:
"Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. ha grandes trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar. Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q.
De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia”

CARTA TRADUZIDA:
"Eu sou uma escrava de V.S.a administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões , aonde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não poço explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.S. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda aonde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.
 De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia"

Esse documento serviu de inspiração para diversas manifestações contemporâneas como o grupo de mulheres que trabalham pela cidadania da mulher negra piauiense, e recebe o nome de Esperança Garcia assim como a maternidade de Nazaré do Piaui e a data desta carta é o Dia Estadual da Consciência Negra no Piaui desde 1999.

Sabemos pouco sobre como Esperança aprendeu a ler e escrever, se pôde retornar com o filho à terra onde vivia e reencontrar o marido, se batizou a filha, até quando viveu. Mas conhecer sua história de resistência no período colonial exige que enfrentemos nosso racismo, que apaga existência e lutas da população negra desde a invenção do Brasil.
Para nós militantes do Movimento Negro, e esse reconhecimento é uma importante vitoria, pois atingimos o reconhecimento de um dos nosso. Ubuntu!
FONTE: http://esperanca-garcia.blogspot.com.br/p/esperanca-garcia.html e http://justificando.cartacapital.com.br/2017/08/08/mulher-negra-e-escravizada-esperanca-garcia-primeira-advogada-do-piaui/ 

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